segunda-feira, 28 de junho de 2010

Inevitável (parte IV)


Seguindo o roteiro da minha vida nas últimas horas, fiz a única coisa que seria capaz de fazer antes que a loucura se apoderasse de todo o meu ser. Dormi.
Dormi tão profunda e intensamente que só acordei com os gritos insistentes, dessa vez do meu irmão (sou grata por não terem sido da minha irmã, Deus, o grito dela faz meus ouvidos doerem).
- Camile, vai, levanta logo.
- Que horas são?
- Acho que não importa. O Arthur tá ligando no seu celular e no telefone de casa fazem quarenta e cinco minutos.
- Ele me disse para estar na praça as 8:00, droga, acho que dormi demais.
- Então, se eu fosse você correria... São 9:30.
Sinceremante? Não me surpreendi com o fato de que mesmo com todos esses transtornos, toda essa correria eu tenha deixado o sono me dominar. Também não me arrependo por isso, me sentia mais calma agora.
Sai correndo de casa em direção a pracinha sem ao menos me olhar no espelho. Fui arrumando meu cabelo com as mãos durante o caminho, e, isso bastava.
Ou pelo menos, fizeram-me pensar que isso bastava.
- Você realmente achou que poderia ir embora sem uma festa?
-Camile, nós te amamos demais para que você vá embora sem uma despedida, ao menos isso!
- Você mudou nossas vidas. Seremos eternamente gratos por isso.
Ok. Eu não esperava isso. Eu juro, poderia esperar tudo menos uma festa de despedida. Nem tentei esconder meus sentimentos, sabia que seria totalmente em vão. Comecei a chorar loucamente. E, nessa hora, todos os meus amigos, todas as pessoas que eu mais amava, todos que faziam parte da minha vida, todos que jamais seriam por mim esquecidos me abraçaram.
Não me lembro de ter me sentido tão feliz e completa em toda a minha vida. Eu nunca poderia recompensá-los por tudo isso.
Eles pareceram entender tudo o que estava passando em minha mente. Não que eu fosse previsível. Não, isso nunca. Eu surpreendia até eu mesma, as vezes. Mas, eles eram meus amigos. Eles me conheciam e sabiam que isso era típico de mim. E, isso era inegável.
Percebi que todas as músicas que fizeram parte da minha vida durante esses 15 anos que vivi aqui tocaram. Isso era como um sonho.
Que eu sabia que iria acabar assim que o dia amanhecesse...
Mas, naquela noite, nada mais importava.
Eu estava com as pessoas que eu mais amava, com as pessoas que eu teria que dizer adeus. Não havia tempo para pensar no amanhã. Não agora.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Inevitável (parte III)

-Alô?
-Arthur, preciso falar com você. Você pode vir em casa? Agora?
-Claro, estou indo.
Como sempre, ele foi definitivamente compreensível. Típico. Eu conhecia o Arthur desde criança. Ele sempre foi o meu porto seguro, sempre me apoiou em todas as minhas decisões. Eu sabia que o adeus que mais iria doer seria o adeus que eu teria que dizer a ele.
-Camile, abra a porta, sou eu!
Meus pensamentos tomaram conta de mim tão rapidamente que eu perdi a noção do tempo. Poderia ter passado horas olhando para o mesmo lugar, apenas me lembrando de todos os momentos maravilhosos que eu havia passado ao lado dele. Em breve tudo isso não passaria de meras lembranças de um passado bom.
Corri para a porta e destranquei-a. Ele entrou, olhou em meus olhos e imediatamente abriu seus braços. Eu o abracei por minutos inteiros. Gostaria de tê-lo comigo, assim, para sempre.
-Você não sabe, Arthur...
-Shhh. - ele fez um sinal que demonstrava entendimento, impedindo-me de continuar - Conversei com a sua mãe, lá em baixo, e ela já me contou tudo.
-E agora? Como vai ser daqui para frente? Não consigo imaginar minha vida longe daqui, longe de você!
-Hey, acalme-se.
Ele sentou-se ao meu lado e eu deitei sobre seu colo. E então, ele delicademente começou a brincar com meu cabelo. Somente o Arthur sabia como isso me acalmava.
-Obrigada.
-Obrigada? Pelo o que?
-Por você estar aqui. O que quer que você estivesse fazendo, com certeza era melhor que estar aqui comigo. As vezes me pergunto o que eu fiz para te merecer. E sempre acabo chegando a conclusão de que eu não te mereço.
-Quantas vezes terei que te falar para você parar com isso? Camile, por favor, você sabe que somos amigos, e amigos são para isso! Nada poderia me impedir de estar com você agora. Eu sei que você precisa de mim. E estou aqui para te ajudar.
-Obrigada.
E essa foi a última palavra que eu consegui dizer até ouvir o grito da minha irmã.
-CAMILE, VÁ ARRUMAS SUAS COISAS! NÓS VAMOS NOS MUDAR HOJE A NOITE! VÁ LOGO!
Eu e ele ficamos paralisados por dois minutos. Não esperávamos que a despedida fosse tão rápida.
Desci as escadas correndo, e fui perguntar para meu pai por que diabos teríamos que partir hoje. Ele apenas disse que seria melhor. É claro que seria, não era ele mesmo que iria se afastar de todas as pessoas que mais amava.
- Eu não vou sair dessa cidade hoje. Eu NÃO vou.
- Não quero discutir com você. Talvez você tenha razão, partiremos amanhã cedo.
De certa forma, essa já era uma conquista. Subi novamente e não encontrei o Arthur. Em seu lugar encontrei um bilhete que dizia:

Camile, tive que ir. Te encontro as 8:00 na praça.
E, não se esqueça, eu te amo muito!
Arthur.


Então, eu teria que esperar até as 8:00 para poder vê-lo novamente... Liguei o rádio no volume máximo e comecei a ouvir provavelmente pela última vez minhas músicas preferidas nessa cidade.Ou melhor, nessa vida.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Inevitável (parte II)


-Bom, isso será bom para todos nós cinco, e sei que você não gosta dessa cidade; então, acho que ficará feliz.
-Filha, seu pai foi promovido no emprego. Nos mudaremos para São Paulo.
Nesse momento percebi que meus dois irmãos estavam extremamente animados com a ideia. Minha irmã mais nova pulava no sofá, enquanto meu irmão mais velho ligava para todos os seus amigos informando-os da notícia. Meus pais olhavam um para o outro, sorrindo, e pude perceber que esperavam ver um sorriso em meu rosto também. Mas, ele não apareceu. 
O que apareceram foram lágrimas que escorriam incessantemente por toda a minha face. Eu não podia acreditar naquilo, não podia ser real.
Eu realmente não gostava da cidade. Ela era calma demais. Típica cidade do interior onde era possível ver o nascer e o pôr do sol; todos os dias. Eu gostava disso. Do sol.
Gostava da forma com que todos saiam às ruas sem grandes preocupações. Gostava do modo com que as pessoas se cumprimentavam nas ruas. E, nunca pensei que fosse dizer isso, mas acho que até o sotaque um pouquinho arrastado daqui me fazia bem.
Mas, do que eu mais gostava era dos meus amigos. Do meu colégio.
-O que foi? Por que você está chorando? Não gostou da ideia de nos mudarmos, irmã?
Irmã. Era dessa forma que minha amável irmã dirigia-se a mim quando estava preocupada.  Por mais sarcástico que isso parecera ter sido, ela estava preocupada comigo.
Não fui capaz de responder. Apenas corri para meu quarto, tranquei a porta e deixei todas as lágrimas transbordarem. Deixei todas as emoções florescerem e tentei me concentrar em algo. Mas não existia algo. Não existia mais nada. Tudo se fora. Ou, iria.
A imagem de todos os meus amigos passou em minha mente. Cada sorriso, cada olhar. Senti-me sem forças e sem propósitos. 
Ouvi alguém batendo na porta. Minha mãe. Corri para o banheiro, enxuguei as lágrimas e abri a porta.
-Eu acho que deveria esperar isso de você. Que essa fosse a sua reação. Me desculpe.
-Não, mãe. A culpa não é sua. Não existem culpados.
-Filha, pense pelo lado bom. Pense em como será bom vivermos em uma cidade maior. Você ainda verá seus amigos, não com a mesma frequência, mas verá!
E mais uma vez eu era surpreendida com a incrível capacidade materna de ler pensamentos. Não sei como isso ainda me surpreendia.
-É, talvez seja. Mãe, eu queria pensar nas coisas um pouco agora, preciso ficar só um pouco.
-Tudo bem.
Assim que ela saiu, peguei o telefone e comecei a discar o número de quem provavelmente me faria sentir ainda pior. Mas, isso era necessário. Agora.